Voluntários
de Ribeirão Preto (SP) fizeram 430 cirurgias em Condeúba (BA).
'Minhas
crianças são tudo pra mim', diz a dona de casa Jesuína dos Santos.
Aos 30 anos,
a dona de casa Jesuína Sousa Silva precisa lidar todos os dias com um drama - a
escassez de recursos para alimentar os seis filhos, três meninos e três meninas
- o menor com sete meses e o mais velho com 11 anos. Conseguir alimento para
tantas bocas famintas ou encontrar água para matar a sede são tarefas das mais
árduas. Em terra castigada pela seca, nem tudo o que se planta, colhe.
Na casa
simples na zona rural do município, distante 1,3 mil quilômetros de Ribeirão
Preto (SP), cidade-sede do grupo, Jesuína descreveu o sentimento de impotência
frente à dura realidade. “A gente não leva vida fácil, não. Criar os filhos nem
é o problema, porque a gente já foi criança também. Mais difícil é dar de
comer, não poder dar as coisas que eles pedem, ter que dizer não.”
O pesar que
carrega e o semblante triste não lhe permitem sorrir, nem mesmo quando
provocada para a foto da reportagem. Ela já teve sete filhos. A mais velha
morreu ainda bebê, em 2003. “Não sei o que é que foi não. Só sei que ficou
doentinha e morreu”, disse.
Jesuína, o
marido e os seis filhos moram em uma casa de quatro cômodos. A viagem do sítio
à cidade leva em torno de uma hora pela estrada de terra, a única que existe no
local. Um caminho que ela cansou de percorrer quando sentia as contrações dos
partos. Após o nascimento do caçula, hoje com sete meses, o médico recomendou
que ela fizesse uma laqueadura, cirurgia contraceptiva. “Ele falou que era
melhor eu operar porque já tenho muito filho e ainda sou nova, né?!”, disse.
Mas a
recomendação médica acabou ficando para depois, porque não havia dinheiro para
o procedimento em Vitória da Conquista (BA), a 200 quilômetros da fazenda, onde
está o hospital mais próximo equipado com centro cirúrgico e capaz de atendê-la
pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O destino,
no entanto, reservou uma surpresa solidária à Jesuína no mês passado, quando o
Voluntários do Sertão chegou a Condeúba. Os especialistas estavam focados no
mutirão de consultas, exames e cirurgias de pequeno porte e médio porte, como
vasectomias, fimoses, hérnias, procedimentos dermatológicos e a tão importante
laqueadura.
Ao todo,
foram realizadas 430 diferentes cirurgias, e Jesuína foi finalmente operada.
“Seis filhos já está bom, ainda mais com essa vida que a gente leva. Minhas
crianças são tudo pra (sic) mim”, disse a dona de casa, que voltou para o sítio
da família um dia após a operação, sob a orientação de permanecer em repouso
absoluto. “Meu marido vai cuidar de tudo”, garantiu.
Dura
realidade
Durante a
semana em que os “Voluntários do Sertão” estiveram em Condeúba, muitas
“Jesuínas” passaram pelos corredores do hospital municipal da cidade. É o que
conta a instrumentadora Cilay Lunardello Pinheiro de Freitas, coordenadora da
equipe cirúrgica, formada por 30 profissionais, entre médicos, anestesistas,
enfermeiros e auxiliares.
Por Cilay
passaram todos os prontuários, recomendações e decisões. “É um trabalho duro,
mas poder participar e ajudar essas pessoas é gratificante. Eu deixo o meu
serviço, a minha família, fico sem internet, sem televisão, sem saber o que
está acontecendo no mundo e, mesmo assim, não tenho como expressar a alegria
que eu sinto”, afirmou.
Cilay
desembarcou em Condeúba dois dias antes dos demais voluntários e com apoio de
parte da equipe montou todos os equipamentos do centro cirúrgico, que funcionou
dentro do hospital. A instituição possui um espaço apropriado para a realização
desses procedimentos, mas as salas nunca haviam sido utilizadas desde que o
prédio foi construído, há sete anos.
“Nós pedimos
para providenciar cama cirúrgica, iluminação, rede de gás para anestesia, não
tinha nada. O centro cirúrgico era como uma casa abandonada”, disse a
instrumentadora, que também participou do processo de triagem dos pacientes,
com apoio dos coordenadores das clínicas médicas de especialidades.
Estrutura
Diariamente,
as cirurgias começavam a ser realizadas pontualmente às 8h e não tinham hora
para terminar. Isso porque, apesar de existir um número determinado de
pacientes que seriam atendidos por dia, não eram raras as vezes em que um caso
de urgência era encaminhado ao hospital.
“As salas
nunca ficam vazias, os médicos não ficam parados um minuto. A central de
material trabalha a todo vapor. Tudo funcionou como um hospital de uma grande cidade”,
disse Cilay, que contava com o apoio e o comprometimento de todos os
profissionais da equipe, entre eles a ginecologista e obstetra Gianny Bordin,
de 44 anos, voluntária pela sexta vez.
Gianny
contou que todo ano se programa com antecedência, reservando os dias de
atendimento voluntário na agenda da clínica particular em que trabalha em
Ribeirão Preto. Para ela, mais do que poder ajudar outras pessoas, participar
do projeto é uma oportunidade de aprender.
“Uma das
coisas que eu aprendi durante esses seis anos foi agradecer pelas coisas que eu
tenho. Uma vez eu estava realizando um atendimento na zona rural e uma menina
perguntou se eu bebia água todo dia. Eu percebi que a gente tem tudo e não
agradece por nada. No sertão, eles não têm nada e agradecem por tudo. Apesar
das dificuldades, são um povo feliz”, disse.
Gratidão
As palavras
da médica ganharam significado no sorriso franco da pequena Giovanna Pereira da
Silva, de 3 anos. Mesmo sabendo que passaria por um procedimento cirúrgico para
retirada de um cisto na sobrancelha, Giovanna não se deixou abater, no corredor
do hospital.
Brincando
com a garota no colo, a mãe também sorria e agradecia aos voluntários pelo
carinho com que a filha era tratada. “A gente vê esses médicos fazendo tudo com
tanto amor. Os médicos que trabalham pelo SUS não atendem dessa forma, não têm
essa motivação. Talvez nem por plano privado ela fosse tão bem acolhida como
foi no “Voluntários do Sertão’”, disse a dona de casa Sandra Pereira da Silva,
de 26 anos.
A família
mora em Piripá (BA) e chegou a pagar R$ 280 por uma consulta particular com um
pediatra em Vitória da Conquista, na esperança de conseguir solucionar o
problema estético de Giovanna. O médico disse que as únicas alternativas seriam
realizar a cirurgia pelo sistema privado, ao custo de R$ 3,5 mil, ou aguardar
na fila do SUS.
Sem
condições financeiras para arcar com o procedimento, Sandra optou por esperar o
mutirão de voluntários em Condeúba. “Foi tudo tão rápido e prático, que eu nem
acreditei. Só por Deus mesmo", afirmou.
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