terça-feira, 14 de abril de 2015

'Não dá para explicar', diz primo de 23 sequestradas pelo Boko Haram



Há exatamente um ano, em 14 de abril de 2014, a violência do grupo radical Boko Haram alterou para sempre a vida do médico nigeriano Allen Manasseh. Ele teve 23 de suas primas sequestradas pelos insurgentes em um ataque a uma escola em Chibok, na Nigéria, no qual 276 mulheres e meninas foram feitas reféns. O crime se tornou conhecido em todo o mundo, mas um ano depois, Manasseh ainda luta para que elas tenham esperança.
Das 276 alunas que foram levadas, 53 conseguiram escapar durante o trajeto até a floresta de Sambisa, onde fica a principal base do grupo extremista. Suas primas, no entanto, continuam com o grupo.
O médico tinha uma relação de longa data com a escola atacada. Seu pai lecionou nela até se aposentar, suas irmãs e primas estudaram no local, e ele mesmo ajudava os alunos ocasionalmente com palestras extracurriculares.
“Não é fácil para as famílias, especialmente para as mães, que são naturalmente próximas das meninas. Esperar por um filho desaparecido por um ano, não dá para explicar”, disse Manasseh por e-mail ao G1. “A vida delas mudou nesse tempo. Elas perderam confiança no governo, que deveria proteger suas filhas, oferecer segurança e resgatá-las em tempo. Os pais estão desmoralizados e traumatizados com isso. A vida deles não é mais normal”.
Segundo a Anistia Internacional, uma fonte militar disse que as meninas que permaneceram reféns foram divididas em três ou quatro grupos e encaminhadas a diferentes campos do Boko Haram, como na floresta de Sambisa, nas proximidades do Lago do Chade e em montanhas no Camarões. A fonte também estimou que cerca de 70 meninas foram levadas para o Chade.
Em maio, o exército nigeriano disse ter localizado as meninas, mas descartou o uso da força para resgatá-las a fim de evitar que os fundamentalistas as matassem durante uma operação para sua libertação. Desde então, elas permanecem em cativeiro.
Campanha internacional
Manasseh diz que se tornou próximo dos ativistas da campanha #BringBackOurGirls ('tragam de volta nossas meninas') em Abuja, capital da Nigéria, onde mora atualmente, e que já falou diretamente com diversas autoridades locais para pedir ajuda pelo resgate. “A campanha ajuda a manter a voz das meninas nas primeiras páginas, e achamos que ela nos representa na tomada de ação, por isso me aproximei”, afirma.
“Falei diretamente com autoridades de governo na Nigéria, com o chefe do governo local, governo estadual, autoridades de segurança, o ex-presidente [Jonathan Goodluck], todos os chefes de segurança”, diz. No entanto, segundo ele, o esforço é visto com “desprezo” pelo governo.
“O governo olha para mim e os outros ativistas com grande desprezo e ódio, e deseja que a gente deixe a nossa luta. Eles nos rotulam, nos chamam de partidos opositores, tentando nos encaixar na caixa política. Eles pensam que o grupo está fazendo muitas perguntas e que expõe sua fraqueza na boa governança”, diz Manasseh.
A vitória do novo presidente da oposição, Muhamadu Buhari, talvez traga alguma esperança para o caso. "Eles vão tentar ganhar confiança com os nigerianos", diz esperar o ativista.
Efeito após um ano
A campanha pelo resgate das meninas ganhou repercussão internacional e fez com que grandes potências oferecessem ajuda ao governo da Nigéria para encontrar as jovens. Celebridades apoiaram o pedido de resgate e a hashtag #BringBackOurGirls ('tragam de volta nossas meninas') viralizou nas redes sociais. Pela ocasião de um ano de campanha, estão previstos aproximadamente 30 atos em 10 países.
O principal feito da campanha foi ter dado repercussão internacional para o caso, segundo especialistas ouvidos pelo G1. “O governo da Nigéria tem a obrigação primária quanto à proteção das vítimas e ao resgate dos que ainda estão em cativeiro. A comunidade internacional pode apoiar campanhas para pressionar o governo a exercer suas obrigações em relação às vítimas e suas famílias”, diz Mausi Segun, pesquisadora da Human Rights Watch na Nigéria.
Um dos principais fatores da ineficácia em recuperar reféns do Boko Haram é a fraca presença do exército nigeriano nas áreas controladas pelo grupo. “O Boko Haram atua em áreas remotas da Nigéria, de difícil acesso, nas quais o Estado nigeriano tem frágil presença. As Forças Armadas do país têm problemas graves de treinamento, motivação e liderança e em muitos casos falham diante do enfrentamento às tropas do Boko Haram”, diz Maurício Santoro, assessor de direitos da Anistia Internacional no Brasil. O quadro de pobreza e a fragilidade da infraestrutura no país também alimentam o extremismo de grupos como o Boko Haram, afirma.
Os especialistas também denunciam a forma como o governo vem lidando com os ativistas da campanha. “Há muitas situações de abuso de autoridade, com prisões arbitrárias, torturas e execuções extrajudiciais por parte de agentes do Estado nigeriano, cometidas tanto contra ativistas como quanto suspeitos de crimes comuns e de serem membros do Boko Haram”, diz Santoro.
Mausi Segun cita relatos de assédio e tentativas de intimidação de ativistas por apoiadores do governo. “Eles também foram rotulados publicamente pelo Serviço Nacional de Segurança como desordeiros da oposição partidária”, diz a pesquisadora.
2 mil sequestradas
O sequestro das meninas de Chibok representa apenas um décimo dos sequestros de mulheres realizados pelo Boko Haram desde o começo do ano passado, segundo novo balanço divulgado em relatório da Anistia Internacional nesta segunda-feira (13). De acordo com o documento, 2 mil mulheres foram vítimas de sequestro do ano passado a março deste ano.
Desde o início de 2014 até março de 2015 o Boko Haram matou pelo menos 5,5 mil civis em 300 invasões e ataques durante seu avanço no nordeste da Nigéria, aponta a organização. Além disso, mais de um milhão de pessoas se viram obrigadas a fugir de suas casas e ir a outras cidades.
O grupo - seu nome significa “a educação ocidental é pecado”- atua principalmente no nordeste da Nigéria, onde controla a maior parte dos estados de Borno, Adamawa e Yobe. Estima-se que tenha cerca de 15 mil combatentes, que operam em células de relativa autonomia e têm como líder político e espiritual Abubakar Shekau.
De acordo com o documento, durante os ataques os militantes do grupo “poupam” mulheres e meninas solteiras, e homens em idade de lutar ou com habilidades específicas, como médicos e engenheiros, que são levados como reféns. Eles são levados para campos do Boko Haram na floresta de Sambisa, que também fica no nordeste do país, e para comunidades remotas sob seu controle.
As mulheres são submetidas a estupros, casamentos forçados e escravidão sexual. Os homens e meninos são obrigados a prestar serviços aos militantes do grupo ou a unir-se como combatentes.

A Anistia Internacional afirma que o Boko Haram cometeu sérias violações de legislação humanitária internacional, como assassinatos e outros ataques a civis. Seus membros deveriam ser investigados por crimes de guerra como tortura, estupro, violência sexual, escravidão sexual, casamentos forçados e recrutamento de soldados crianças, diz o relatório.

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