Há
exatamente um ano, em 14 de abril de 2014, a violência do grupo radical Boko
Haram alterou para sempre a vida do médico nigeriano Allen Manasseh. Ele teve
23 de suas primas sequestradas pelos insurgentes em um ataque a uma escola em
Chibok, na Nigéria, no qual 276 mulheres e meninas foram feitas reféns. O crime
se tornou conhecido em todo o mundo, mas um ano depois, Manasseh ainda luta
para que elas tenham esperança.
Das 276
alunas que foram levadas, 53 conseguiram escapar durante o trajeto até a
floresta de Sambisa, onde fica a principal base do grupo extremista. Suas primas,
no entanto, continuam com o grupo.
O médico
tinha uma relação de longa data com a escola atacada. Seu pai lecionou nela até
se aposentar, suas irmãs e primas estudaram no local, e ele mesmo ajudava os
alunos ocasionalmente com palestras extracurriculares.
“Não é fácil
para as famílias, especialmente para as mães, que são naturalmente próximas das
meninas. Esperar por um filho desaparecido por um ano, não dá para explicar”,
disse Manasseh por e-mail ao G1. “A vida delas mudou nesse tempo. Elas perderam
confiança no governo, que deveria proteger suas filhas, oferecer segurança e
resgatá-las em tempo. Os pais estão desmoralizados e traumatizados com isso. A
vida deles não é mais normal”.
Segundo a
Anistia Internacional, uma fonte militar disse que as meninas que permaneceram
reféns foram divididas em três ou quatro grupos e encaminhadas a diferentes
campos do Boko Haram, como na floresta de Sambisa, nas proximidades do Lago do
Chade e em montanhas no Camarões. A fonte também estimou que cerca de 70
meninas foram levadas para o Chade.
Em maio, o
exército nigeriano disse ter localizado as meninas, mas descartou o uso da
força para resgatá-las a fim de evitar que os fundamentalistas as matassem
durante uma operação para sua libertação. Desde então, elas permanecem em
cativeiro.
Campanha
internacional
Manasseh diz
que se tornou próximo dos ativistas da campanha #BringBackOurGirls ('tragam de
volta nossas meninas') em Abuja, capital da Nigéria, onde mora atualmente, e
que já falou diretamente com diversas autoridades locais para pedir ajuda pelo
resgate. “A campanha ajuda a manter a voz das meninas nas primeiras páginas, e
achamos que ela nos representa na tomada de ação, por isso me aproximei”,
afirma.
“Falei
diretamente com autoridades de governo na Nigéria, com o chefe do governo
local, governo estadual, autoridades de segurança, o ex-presidente [Jonathan
Goodluck], todos os chefes de segurança”, diz. No entanto, segundo ele, o
esforço é visto com “desprezo” pelo governo.
“O governo
olha para mim e os outros ativistas com grande desprezo e ódio, e deseja que a
gente deixe a nossa luta. Eles nos rotulam, nos chamam de partidos opositores,
tentando nos encaixar na caixa política. Eles pensam que o grupo está fazendo
muitas perguntas e que expõe sua fraqueza na boa governança”, diz Manasseh.
A vitória do
novo presidente da oposição, Muhamadu Buhari, talvez traga alguma esperança
para o caso. "Eles vão tentar ganhar confiança com os nigerianos",
diz esperar o ativista.
Efeito após
um ano
A campanha
pelo resgate das meninas ganhou repercussão internacional e fez com que grandes
potências oferecessem ajuda ao governo da Nigéria para encontrar as jovens.
Celebridades apoiaram o pedido de resgate e a hashtag #BringBackOurGirls
('tragam de volta nossas meninas') viralizou nas redes sociais. Pela ocasião de
um ano de campanha, estão previstos aproximadamente 30 atos em 10 países.
O principal
feito da campanha foi ter dado repercussão internacional para o caso, segundo
especialistas ouvidos pelo G1. “O governo da Nigéria tem a obrigação primária
quanto à proteção das vítimas e ao resgate dos que ainda estão em cativeiro. A
comunidade internacional pode apoiar campanhas para pressionar o governo a
exercer suas obrigações em relação às vítimas e suas famílias”, diz Mausi
Segun, pesquisadora da Human Rights Watch na Nigéria.
Um dos
principais fatores da ineficácia em recuperar reféns do Boko Haram é a fraca
presença do exército nigeriano nas áreas controladas pelo grupo. “O Boko Haram
atua em áreas remotas da Nigéria, de difícil acesso, nas quais o Estado
nigeriano tem frágil presença. As Forças Armadas do país têm problemas graves
de treinamento, motivação e liderança e em muitos casos falham diante do
enfrentamento às tropas do Boko Haram”, diz Maurício Santoro, assessor de
direitos da Anistia Internacional no Brasil. O quadro de pobreza e a
fragilidade da infraestrutura no país também alimentam o extremismo de grupos
como o Boko Haram, afirma.
Os
especialistas também denunciam a forma como o governo vem lidando com os
ativistas da campanha. “Há muitas situações de abuso de autoridade, com prisões
arbitrárias, torturas e execuções extrajudiciais por parte de agentes do Estado
nigeriano, cometidas tanto contra ativistas como quanto suspeitos de crimes
comuns e de serem membros do Boko Haram”, diz Santoro.
Mausi Segun
cita relatos de assédio e tentativas de intimidação de ativistas por apoiadores
do governo. “Eles também foram rotulados publicamente pelo Serviço Nacional de
Segurança como desordeiros da oposição partidária”, diz a pesquisadora.
2 mil
sequestradas
O sequestro
das meninas de Chibok representa apenas um décimo dos sequestros de mulheres
realizados pelo Boko Haram desde o começo do ano passado, segundo novo balanço
divulgado em relatório da Anistia Internacional nesta segunda-feira (13). De
acordo com o documento, 2 mil mulheres foram vítimas de sequestro do ano
passado a março deste ano.
Desde o
início de 2014 até março de 2015 o Boko Haram matou pelo menos 5,5 mil civis em
300 invasões e ataques durante seu avanço no nordeste da Nigéria, aponta a
organização. Além disso, mais de um milhão de pessoas se viram obrigadas a
fugir de suas casas e ir a outras cidades.
O grupo -
seu nome significa “a educação ocidental é pecado”- atua principalmente no
nordeste da Nigéria, onde controla a maior parte dos estados de Borno, Adamawa
e Yobe. Estima-se que tenha cerca de 15 mil combatentes, que operam em células
de relativa autonomia e têm como líder político e espiritual Abubakar Shekau.
De acordo
com o documento, durante os ataques os militantes do grupo “poupam” mulheres e
meninas solteiras, e homens em idade de lutar ou com habilidades específicas,
como médicos e engenheiros, que são levados como reféns. Eles são levados para
campos do Boko Haram na floresta de Sambisa, que também fica no nordeste do
país, e para comunidades remotas sob seu controle.
As mulheres
são submetidas a estupros, casamentos forçados e escravidão sexual. Os homens e
meninos são obrigados a prestar serviços aos militantes do grupo ou a unir-se
como combatentes.
A Anistia
Internacional afirma que o Boko Haram cometeu sérias violações de legislação
humanitária internacional, como assassinatos e outros ataques a civis. Seus
membros deveriam ser investigados por crimes de guerra como tortura, estupro,
violência sexual, escravidão sexual, casamentos forçados e recrutamento de
soldados crianças, diz o relatório.
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