Gustavo
Kenedi, de Ibaté, foi submetido a procedimento no HC da Unicamp.
Menino havia
perdido o movimento do pescoço e tinha vergonha da aparência.
Gustavo
Kenedi Sousa Bertelli, de 8 anos, é magrinho, quer ser policial quando crescer
e, como a maioria das crianças, não gosta de injeções, muito menos as que toma
para reduzir as cicatrizes na orelha. Mas isso não o impede de seguir à risca o
tratamento indicado pelos médicos e de ser descrito de forma unânime por
familiares e amigos como “forte”. Morador de Ibaté (SP), ele sofreu graves
queimaduras na cabeça, pescoço, peito e braços em 2013, quando tinha 6 anos, e,
em 2015, passou por uma cirurgia inédita, com uma placa especial de silicone,
capaz de acelerar a recuperação e auxiliar na retomada de movimentos
prejudicados após cicatrização inadequada.
O
procedimento foi realizado no Hospital de Clínicas da Unicamp e aos poucos Gustavo
está recuperando a rotina. Ele participa de sessões de fisioterapia e não pode
ficar muito exposto ao sol, por conta da sensibilidade da pele, mas voltou para
a escola e continua como o melhor jogador de fliperama da rua. Só falta empinar
pipa, uma das brincadeiras preferidas, mas isso também deve ocorrer em breve,
durante as férias.
“Ele não
tinha mais o movimento do pescoço, mastigar estava difícil. Um médico da Santa
Casa de Limeira falou do problema na cicatrização e da possibilidade da
cirurgia em Campinas. Disse que ia ligar e ficamos esperando”, contou Fabrícia
de Quadros Souza, mãe de Gustavo e de Pedro Lucas, de 3 anos.
A notícia da
esperada ligação chegou por meio de uma vizinha. Em fevereiro, Gustavo foi
submetido à cirurgia para a aplicação da matriz e, um mês depois, os médicos
enxertaram a pele removida da cabeça para cobrir a área. “Já não tinha
esperança. Falaram que, ao todo, custaria R$ 80 mil. De onde ia tirar R$ 80
mil?”, disse Fabrícia. “Eu fiquei muito contente porque se coçava muito, não
dormia direito, agora pode andar de pescoço erguido, era o que a gente estava
esperando”, detalhou a avó, Roseli de Quadros.
O material
utilizado, desenvolvido nos Estados Unidos, foi doado após uma uma negociação
com a empresa distribuidora e, com a cirurgia, veio a esperança da recuperação.
Na época, Paulo Kharmandayan, chefe da cirurgia plástica do HC e professor da
Unicamp, explicou que o queixo de Gustavo estava colado ao tórax e que isso
poderia prejudicar a alimentação, a respiração e o desenvolvimento cervical com
o tempo. "A equipe que atendeu o Gustavo é de primeira. Os médicos me
explicaram tudo, mostraram fotos, foram atenciosos", elogiou a mãe.
Acidente
Fabrícia
trabalhava como cortadora de frios em um supermercado de São Carlos e o marido,
transferido pela empresa, atuava como soldador na Bahia na época do acidente
que deixou Gustavo com 45% do corpo queimado. “Eu havia acabado de chegar e ele
pediu para ir à tia ver um filme. Dez minutos depois, ouvi o choro dele e ainda
comentei com a minha mãe. Minha cunhada estava no banho e ele ficou sozinho com
dois primos”, disse Fabrícia. As crianças jogaram álcool em Gustavo e atearam
fogo.
“Ele estava
usando uma blusa preta e quando vi só havia a parte de trás. Um vizinho ajudou
e levou para o pronto-socorro aqui em Ibaté. Depois, mandaram ele para a UTI da
Santa Casa de São Carlos e, de lá, conseguiram vaga em Limeira, onde passou
dois meses e quatro dias”, disse a mãe.
Fabrícia e
Roseli se revezavam no hospital a cada três dias. O pai de Gustavo, Paulo,
deixou o serviço e também entrou no esquema. Eles viajavam de Ibaté a Limeira
em um veículo da Prefeitura e passavam a noite na cadeira de acompanhante.
Viveram assim de setembro a novembro de 2013, enquanto eram realizados enxertos
de pele das costas e das pernas de Gustavo nas áreas queimadas e enquanto ele
recuperava os movimentos após a retirada das faixas. “Ele viveu de novo,
renasceu”, resumiu a avó.
Tia de
Gustavo, Camila de Quadros Souza acompanhou a recuperação e contou que o
momento mais difícil foi a internação na UTI. “A Fabrícia mandou uma foto pelo
celular”, afirmou. Questionada sobre o que fez com a imagem, foi direta.
“Tristeza a gente apaga, tem que apagar”.
Rotina
A
comerciante Helena Aparecida de Souza tem uma lanchonete na rua da família e
também conhece a história de Gustavo de perto. “Ele é meu amigo, falava que
tinha dó de me ver sozinha, ficava aqui na loja comigo”, disse enquanto ele e
os primos se divertiam no fliperama do estabelecimento.
Helena vende
as pipas que fazem a cabeça da garotada durante as férias, mas, ao contrário
dos papagaios, a máquina não sai de moda e, segundo as crianças, Gustavo é o
melhor nas disputas com fichas. O segredo dele para se dar bem nas lutas? “Para
ganhar, tem que dar o máximo”.
“Ele faz
tudo o que os médicos mandam, é o esforço dele. Os médicos falam que ele é
muito forte, muito guerreiro”, disse Fabrícia, sem esconder o orgulho. “Quando
ele acordou da cirurgia, perguntou o que tinha no pescoço”, contou a mãe, e não
foi o único questionamento. “Perguntei se ia vir comida”, contou Gustavo
envergonhado.
Ele adora
arroz, feijão e linguiça e, antes de ir para a escola municipal Professora
Brasilina Teixeira Ianoni com os primos, mostrou que era bom de garfo. “Ele
chegou mais magrinho, está engordando”, dedurou a tia.
Escola
Há uma
prática de controle de presença na escola e não demorou para a direção perceber
a ausência de Gustavo depois do acidente. “Após três dias de falta, entramos em
contato com a família e, se não conseguimos fazer isso por telefone, vamos até
a residência da criança”, explicou a diretora, Tânia Picinin.
Ele se
afastou da escola em setembro de 2013 e só voltou a frequentar as aulas com
regularidade no segundo semestre de 2014. Tinha vergonha dos olhares, das
perguntas, não queria regressar e foi necessário um trabalho conjunto de
incentivo. De início, foi criada uma pasta com atividades que Gustavo havia
perdido e as crianças da sala foram informadas que ele havia sofrido um
acidente. Se ele dizia que não estava bem, a equipe avaliava a necessidade de
permanecer na escola naquele dia e avisava a mãe.
“As crianças
encararam como normal, entenderam que tinham que cuidar dele. Foi aos poucos,
havia a insegurança dele e da própria Fabrícia. Mostramos que a gente podia
cuidar dele”, comentou Tânia. Mãe de dois meninos, inclusive de um Gustavo, ela
contou que se colocava no lugar do aluno e que percebeu melhoras depois do
procedimento em Campinas.
“Antes, ele
ficava escondendo o pescoço e eu trouxe camisas de gola alta do meu Gustavo
para ele se sentir mais confortável. Agora, depois dessa cirurgia, ele brinca,
interage”, disse a diretora. Mas ainda há restrições, principalmente na
educação física. “Ele fica na sala, para leitura e atividades teóricas, brinca
com jogos de tabuleiro com os colegas e, quando quer, deixamos assistir aos
exercícios”, explicou o coordenador da disciplina, Alexandre Gaspar.
Segundo
Gaspar e Tânia, o caso de Gustavo não foi o primeiro na escola e, por conta dos
riscos, a direção pediu ajuda ao Corpo de Bombeiros e a unidade sediou uma
palestra sobre acidentes domésticos e primeiros socorros. “Um aluno tentou
fazer um carrinho com uma garrafa de álcool e, quando furou a embalagem com
fósforo para colocar as rodas, se queimou. Também tivemos um estudante que
queimou o rosto porque o irmão derrubou a panela com miojo”, relatou a
diretora.
O caso de
Gustavo, porém, foi o mais grave, daí a felicidade com a recuperação. “Ele
perdeu conteúdo e tem dificuldade, mas faz os exercícios com a ajuda da mãe,
participa, tem vontade de aprender. É muito forte”, afirmou a professora
Natalícia Costa. “Ele quis a melhora e hoje a gente olha e fala: Como foi
forte!”, completou Tânia.
Ajuda
Fabrícia e
Paulo ficaram desempregados e não podem mais contar com a ajuda do avô de
Gustavo, que contribuía com sua aposentadoria e faleceu há seis meses. Quem
quiser auxiliar a família, pode entrar em contato pelos telefones (16)
9-9153-2841 ou (16) 9-9409-4723.
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